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Mulheres que correm com os lobos

  • Foto do escritor: Cláudia Casavecchia
    Cláudia Casavecchia
  • 22 de abr.
  • 3 min de leitura

Na introdução de Mulheres que correm com os lobos, Clarissa Pinkola Estés apresenta o conceito do arquétipo da mulher selvagem, afirmando que "a fauna silvestre e a mulher selvagem são espécies em risco de extinção" (Estés, 1992, p. 25). Segundo a autora, isso ocorre porque, ao longo dos séculos, a natureza instintiva da mulher foi suprimida e relegada a regiões marginalizadas da psique. Os ciclos naturais femininos foram progressivamente transformados em ritmos artificiais para agradar a outrem, dissociando-se da essência instintiva do feminino.


Estés propõe um processo de "escavação psicoarqueológica" para recuperar a vitalidade perdida, mergulhando nas profundezas do inconsciente feminino. A mulher contemporânea, segundo a autora, tornou-se uma máquina pressionada a desempenhar múltiplas funções, esforçando-se constantemente para agradar a todos. Nesse contexto, o resgate da mulher selvagem é compreendido como uma via de retorno aos processos instintivos da psique e aos elementos fundamentais da psiquê feminina natural.


Inspirada pela biologia de animais selvagens, especialmente dos lobos, Estés estabelece uma analogia entre esses animais e a natureza da mulher. Ambas compartilham características psíquicas como percepção aguçada, espírito brincalhão, devoção, curiosidade, resistência, força, intuição profunda, capacidade de proteção da matilha, adaptação, determinação e coragem extrema. No entanto, tanto lobos quanto mulheres foram historicamente perseguidos, estigmatizados e expurgados de suas características instintivas, seja nas florestas, seja na psique.


A autora relata sua própria vivência nos Grandes Lagos, na fronteira de Michigan, onde estabeleceu um contato profundo com a natureza e os lobos. A partir dessa experiência, observa que, após a Segunda Guerra Mundial, as mulheres foram infantilizadas e transformadas em propriedades. Sua arte foi silenciada, sua dança proibida e sua vaidade, ameaçadora. Pais abusivos eram chamados de "severos", enquanto as feridas espirituais das mulheres eram diagnosticadas como meros colapsos nervosos. Mulheres submissas eram vistas como exemplares, enquanto as insubmissas eram marginalizadas. Por essa razão, Estés afirma que viveu como uma criatura disfarçada.


Segundo a autora, "a teoria psicológica tradicional esgota-se rápido demais para a mulher criativa, talentosa e profunda", sendo frequentemente omissa diante das questões fundamentais do feminino. Assim, a meta deve ser a reconexão com a forma psíquica natural da mulher e seu conhecimento ancestral.


A psicologia tradicional, de acordo com Estés, é insuficiente para lidar com a psique feminina em sua totalidade arquetípica, cíclica, intuitiva, criativa e sexual. Essa lacuna epistemológica foi agravada por uma sociedade inconsciente, que relegou o feminino profundo à marginalidade cultural. Para resgatar tal dimensão, torna-se essencial recorrer a mitos, contos de fada, histórias e expressões artísticas. Esses elementos evocam memórias soterradas pela domesticação cultural e permitem o reencontro com a mulher selvagem interior.


Essa presença pode ser despertada em momentos de contato com a arte, a natureza ou com pessoas que preservam tal relação. Quando reconectadas com sua natureza instintiva, as mulheres florescem criativamente, aprofundam seus relacionamentos e se tornam menos vulneráveis às relações predatórias. Elas passam a reconhecer os ciclos da vida e da morte, aprendendo quando partir e quando permanecer.


Estés enfatiza que a mulher selvagem não é uma figura pejorativa, mas sim uma representação de integridade, limites saudáveis e força vital. Quando essa força é rompida, a mulher perde seus instintos naturais, subordinando-se ao ego, à cultura ou ao intelecto.


Entre os sintomas dessa desconexão estão fadiga, tédio, fragilidade, depressão, insegurança, desânimo, vergonha, falta de inspiração, instabilidade, fúria crônica e medo de se expressar. Em contraste, a mulher saudável assemelha-se ao lobo: robusta, intuitiva e ciente de seu território.


Como afirma Estés (1992): "Quando as vidas das mulheres estão em estase, em tédio, já está na hora da mulher selvática aflorar" (p. 33). O despertar da mulher selvagem exige que se delimitem territórios, que se reencontre a matilha, que se ocupe o corpo com orgulho, que se fale e aja em defesa própria, sintonizada com os ciclos naturais e os saberes intuitivos.


Por fim, a autora sustenta que as sensações corporais e memórias da analisanda são histórias que podem ser traduzidas em consciência. "Uma história é um medicamento que fortifica e recupera o indivíduo e a comunidade" (Estés, 1992, p. 25). Histórias são movimento para a vida interior, sobretudo quando esta se encontra amedrontada, presa ou encurralada. Permitir que a alma cresça em profundidade é o chamado essencial de Mulheres que correm com os lobos.


Claudia Casavecchia


ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

 
 
 

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