O Complexo do Bode Expiatório
- Cláudia Casavecchia

- 15 de abr.
- 3 min de leitura
O termo “bode expiatório” remete-se principalmente à psicologia social, e a dinâmica que o envolve é bastante difundida entre grupos, relações familiares e políticas nacionais e étnicas. Aplica-se a indivíduos e grupos acusados de causarem infortúnios. Tal acusação serve para aliviar os envolvidos, os acusadores, de suas responsabilidades, fortalecendo assim o sentido de poder e integridade em cada um. Funciona como um despejo da sombra individual e coletiva daquele pequeno inconsciente em um único sujeito, que se torna receptáculo de um mal que não lhe pertence.
Em sua origem, na Antiguidade, o bode expiatório era uma vítima humana ou um animal, escolhido para ser sacrificado em prol do bando, a fim de purificar a comunidade das sombras que os envolviam, prevenindo possíveis catástrofes causadas pela ira divina. Nesses rituais, dedicados ao deus do mundo subterrâneo, serviam como um agente de cura. Diz Sylvia Brinton Perera, renomada analista junguiana:
“O fenômeno do bode expiatório, em sua manifestação usual, consiste em encontrar o indivíduo, ou indivíduos, capazes de serem identificados com algum mal ou delito, responsabilizá-los por isso e expulsá-los da comunidade a fim de proporcionar, aos membros remanescentes, um sentimento de inculpabilidade e de reconciliação com os padrões coletivos de comportamento.”
Sendo assim, para a psicologia analítica, o bode expiatório é um recurso de negação da sombra, do homem e de Deus. Então, tudo aquilo que é considerado impróprio e não age em conformidade com o ego ideal ou com a perfeição benigna de Deus é reprimido ou negado, pois, diferente dos ritos hebreus, não confessamos nossos pensamentos caprichosos e considerados indignos, e nem sequer chegamos a perceber que tais aspectos fazem parte da nossa constituição psicológica.
Devido à projeção da sombra pessoal no indivíduo excluído, o acusador se sente sem o peso daquele fardo próprio, inaceitável ao ego ideal de que dispõe. O sujeito identificado com o bode expiatório, porém, se apropria das qualidades dessa sombra e se sente responsável por algo que vai além de sua parcela individual, sentindo-se inferior, rejeitado, culpado e excluído.
Na sociedade atual, existem inúmeros indivíduos identificados com tal arquétipo. A cura desse complexo consiste em trazer luz à consciência acerca da dinâmica inconsciente e perversa na qual se encontram essas pessoas. Será preciso, porém, acompanhar cada camada do complexo, chegando às estruturas da imagem arquetípica original.
Na fenomenologia dessa condição patológica, o ego se enfraquece e o sujeito sustenta um fardo muito maior do que a sua estrutura comporta e, dessa forma, sente-se incapaz de viver sua própria vida à luz de seu poder pessoal, que se esvanece e, em contrapartida, empodera todos aqueles que despejaram seus conteúdos inconscientes e irreconciliáveis com as normas do grupo em seu continente pessoal.
O resgate da integridade e dignidade do sujeito que manifesta tal complexo exige análise profunda e contínua, já que sua autoimagem e sua autoestima se encontram provavelmente destruídas, devido aos constantes abusos, invalidações, difamações e dinâmicas destrutivas, nas quais sempre carregam uma culpa gigantesca que não lhes cabe.
Relações abusivas, narcisistas, assédios morais, trabalhistas, exclusões familiares e na comunidade podem ser sinais de que esse complexo se encontra enraizado em sua psique. Se você se identifica com essa situação e já a vivenciou uma ou mais vezes em relações familiares, sexo-afetivas, trabalhistas e na comunidade, busque auxílio psicológico especializado, pois os efeitos traumáticos de tais experiências podem ter como consequências transtornos dos mais variados, assim como situações de riscos extremos, como suicídios, internações psiquiátricas, desvinculações extremas e incapacidade de reconstrução psicossocial.
Claudia Casavecchia
PERERA, Brinton. O Complexo do Bode Expiatório. São Paulo: Editora Cultrix, 2022.
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