O Louco e a busca do herói

Na estrutura simbólica da Jornada do Herói, a carta do Louco, representada pelo número zero nos Arcanos Maiores do Tarô, ocupa um papel central como arquétipo do início do processo de individuação, conforme compreendido por Carl Gustav Jung.

Nesse caminho arquetípico que retrata a jornada da humanidade em busca de sua individuação, o herói e retratado como o Louco. Interessante pensar que, na introdução da cultura patriarcal, o herói se apresenta como um guerreiro invencível, dotado de força, coragem e inteligência. Aqui, temos uma visão bem diferente. Esse arquétipo representa a criança, o homem tolo e simples, muitas vezes confuso e descuidado. Todavia, capaz de sentir alegria nas coisas simples, de se aventurar, de manter a mente receptiva e curiosa para aprender.

Essa é a primeira carta dos Arcanos Maiores e representa a busca inicial. É assim que um individuo começa sua trajetória à procura de si: parece loucura. De repente, ele se dá conta de que o mundo não faz muito sentido para ele ou as convenções sociais lhe parecem limitadoras e ultrajantes. Ele não sente que pertence a esse mundo e sai à procura de algo novo, rompendo paradigmas.

As figuras que o acompanham na carta, representam seus desafios e potenciais. Atrás de si, há uma imensa montanha nevada, que ele deverá percorrer. Em sua trouxa, carrega apenas os itens essenciais para sua jornada. Um cachorro o acompanha, representando a confiança nos instintos que deverão lhe conduzir pelo caminho.

Para Jung, o Louco encarna o estado original da psique humana: puro, livre, desprovido de condicionamentos culturais rígidos, e ainda plenamente aberto a todas as possibilidades de desenvolvimento. Ele representa o impulso primordial da alma para iniciar uma jornada em direção à totalidade, mesmo sem a consciência clara dos desafios que se apresentarão. Assim, o Louco simboliza a potência do ser humano antes da formação de uma identidade social estruturada, aquele que caminha rumo ao desconhecido movido por uma necessidade interior e instintiva de transformação.

A imagem do Louco, segundo Jung, não corresponde à insensatez no sentido vulgar, mas à sabedoria primitiva da psique, que impulsiona o indivíduo a transcender seu estado atual. Trata-se de um arquétipo que expressa o "eterno viajante", aquele que, para encontrar sua verdadeira essência, deve primeiramente se perder, abandonando as certezas e estruturas preestabelecidas.

Nesse contexto, a jornada do Louco é comparável ao "chamado à aventura" descrito nos estudos junguianos sobre mitologia: um movimento necessário para que o processo de individuação se inicie. A individuação, entendida como o desenvolvimento do self — o centro regulador da psique — exige essa partida do mundo comum em direção a territórios simbólicos desconhecidos, onde o herói confrontará e integrará aspectos inconscientes de sua personalidade.

Portanto, o Louco, em seu aparente desatino, inaugura a travessia rumo à construção da identidade profunda do ser humano. Seu caminhar sem destino fixo reflete o movimento espontâneo da psique em busca de sentido, antes da ordem e da racionalização. É por meio dessa confiança instintiva na vida e na própria jornada que o processo de autoconhecimento poderá emergir.

Ao longo do percurso representado pelas demais cartas dos Arcanos Maiores, o Louco será transformado, simbolizando a trajetória de maturação e integração da psique. Ainda que comece como uma consciência não diferenciada, seu retorno ao final do ciclo revela a conquista da sabedoria e da totalidade, alcançada por meio da experiência vivida e da integração dos opostos internos.

Ao final dessa aventura, espera-se que o herói que a percorreu retorne a esse mesmo estado de simplicidade, alegria e tolice, já que aquele que aprende, nunca para de aprender e manter-se em estado de receptividade e humildade, nos permite evoluir verdadeiramente e sempre mais.

Cláudia Casavecchia

BANZHAF, Hajo. O Tarô e a Jornada do Herói. São Paulo: Pensamento, 2023.