Trauma: neurofisiologia e integração.
- Cláudia Casavecchia
- 14 de mai.
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Os sintomas pós-traumáticos podem ser compreendidos, à luz da teoria desenvolvida por Peter Levine (1999), como respostas fisiológicas incompletas, suspensas no estado de medo. Tais respostas decorrem da ativação de mecanismos instintivos de defesa, especialmente a resposta de imobilidade, que, embora seja um recurso biológico crucial para a sobrevivência, pode tornar-se patológica quando não há possibilidade de descarga da energia acumulada.
Nesse sentido, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) configura-se como um exemplo paradigmático de uma reação fisiológica que permanece ativa por tempo indeterminado, manifestando-se por meio de sintomas físicos, cognitivos e emocionais que se repetem ciclicamente. Esses sintomas não se resolvem espontaneamente, pois são mantidos por cargas energéticas que não puderam ser descarregadas no momento do evento traumático. A superação da traumatização requer, portanto, que essas energias sejam acessadas e conduzidas à sua resolução por meio da percepção sensorial do corpo, num processo de consciência corporal assistido por um profissional capacitado.
De acordo com Levine (1999), a cura do trauma não se dá exclusivamente por meio da fala ou da elaboração cognitiva, mas exige uma reintegração neurofisiológica do organismo. O corpo precisa completar as respostas interrompidas de luta ou fuga, e esse processo, chamado de reorientação, é altamente sensível a interferências. Quando constantemente interrompido ou invalidado, o processo de cura se torna mais lento, e o indivíduo tende a se sobrecarregar com estados sucessivos de impotência, resultando em sintomas crescentes de desregulação, como ansiedade generalizada, desorientação, medo crônico, dificuldades cognitivas e sensações de dissociação.
Nesse contexto, torna-se fundamental a atuação de um terapeuta ou psicanalista informado sobre o funcionamento do trauma, capaz de oferecer um ambiente seguro, acolhedor e propício à reorganização das redes sensório-motoras e afetivas do indivíduo. A psicanálise, quando aliada ao conhecimento dos processos somáticos e neurofisiológicos, revela-se como uma ferramenta potente para a elaboração simbólica e narrativa do trauma, promovendo a integração dos registros afetivos e corporais em uma história coerente.
Como destaca Levine (1999, p. 45), "o processo de cura criativa pode ser bloqueado de diversas maneiras – usando-se drogas para suprimir os sintomas, enfatizando-se o ajustamento ou o controle, ou pela negação ou invalidação de sentimentos e sensações". Isso demonstra que a contenção sintomática, sem a escuta e a liberação do que está trancado no corpo, compromete a possibilidade de resolução duradoura.
Dessa forma, sintomas como enxaqueca crônica — muitas vezes compreendida apenas como uma condição neurológica isolada — podem ser vistos como manifestações psicofisiológicas de estresse não descarregado. Quando inseridos no contexto de uma história de trauma, revelam-se como sinais de um sistema nervoso em estado prolongado de hiperativação ou congelamento.
É importante ressaltar que os próprios sintomas do trauma carregam consigo os recursos necessários para sua transformação. Como afirma Levine (1999), as energias e potenciais curativos estão contidos na própria estrutura do trauma. A tarefa do processo terapêutico não é “eliminar” o sintoma, mas permitir que ele se movimente, se reorganize e se complete, conduzindo o indivíduo a uma experiência de restabelecimento da completude, da confiança corporal e da tranquilidade.
Cláudia Casavecchia
Referência bibliográfica:
LEVINE, Peter A. O Despertar do Tigre: curando o trauma. São Paulo: Summus, 1999.
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